A PAIXÃO PELO BORDADO CRESCE PELO MUNDO E DICAS PARA COMEÇAR A BORDAR
Livres de técnicas rígidas, autodidatas e criadoras dos próprios desenhos, jovens mulheres dão novo significado ao ato de bordar. Repensar o tempo e valorizar o feminino são as palavras de ordem. Nunca bordou? Veja dicas para começar
Estresse profundo, crise profissional, vontade de fazer algo
diferente. Muitos foram os motivos que levaram as personagens desta reportagem
à paixão pelo bordado. Em contrapartida, características em comum as unem: elas
aprendem e aperfeiçoam-se sozinhas, rascunham seus próprios desenhos e propõem
criações livres, sem saber nomes de pontos ou técnicas. Com idades entre 25 e
37 anos, as bordadeiras contemporâneas exaltam a lentidão do artesanal. “Bordar
exige que você se posicione em relação ao tempo e à vida digital”, confirma o
artista Felipe Morozini, autor da série Pequeno Pensamento Burguês, bordada em
tecidos toile de jouy. Para a psicóloga Ana Maria Rossi, doutora em
gerenciamento de estresse e presidente da filial brasileira da International
Stress Management Association, em Porto Alegre, RS, ao bordar afastamos a mente
dos problemas, podendo enxergá-los como um aspecto temporário da vida, e não
como a completude. “Assim como outros trabalhos manuais, bordar é também uma
saída para obter satisfação individual e reconhecimento, algo que geralmente
não recebemos no ambiente profissional”, completa. Na opinião da designer e
ilustradora Ana Strumpf, que recentemente lançou novos produtos bordados à mão,
estamos diante de uma expressão concreta do Movimento Slow, apontado por
pesquisadores de tendências de comportamento e consumo, como a professora e
pesquisadora Clotilde Perez, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo, ECA-USP.
Um aspecto fundamental do novo bordado é sua relação com a
tecnologia. Ao mesmo tempo que falam sobre “desligar” e “desconectar”, as
jovens artesãs usam a internet como eixo de desenvolvimento de trabalho: trocam
e compartilham conhecimentos e, acima de tudo, utilizam as redes sociais como
meio de exposição e comercialização de produtos. “A tecnologia abastece o
movimento do feito à mão”, diz Samantha Shaw, fundadora da associação canadense
Maker’s Movement, em Toronto. Muitas vezes visto como trabalho solitário, o
novo bordado prova o contrário. Criado pela artista Kristen Shuler em Kansas
City, nos Estados Unidos, o evento Eat, Drink and Stitch (Comer, Beber e
Bordar) reúne pessoas em bares e restaurantes para a prática da atividade. No
Brasil, há um ano e meio, uma turma de cinco designers e uma jornalista começou
a se encontrar nas noites de quarta-feira para bordar. Chamado de Clube do
Bordado, o grupo tem hoje mais de 26 mil seguidores no Instagram e tornou-se
negócio. “Longe de ser algo inútil ou antiquado, bordar em grupo é um ato de
resistência e troca política feminina”, diz Bianca Santana, jornalista,
professora da Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e pesquisadora de relações
de gênero.
A bordadeira estadunidense Sarah Benning em seu apartamento, em Menorca, na Espanha. (Foto: Divulgação)
Formada em artes pela School of the Art Institute, em
Chicago, a estadunidense Sarah Benning tem 25 anos e mora atualmente em um
pequeno apartamento na cidade de Menorca, na Espanha. Começou a bordar há 3
anos, enquanto trabalhava em tempo integral como babá. Juntou dinheiro e, com a
ajuda da família e de amigos, passou a se dedicar profissionalmente ao bordado.
Aprendeu tudo sozinha, por tentativa e erro, e diz que não conhece técnicas nem
pontos tradicionais. Sarah define seu trabalho como “ilustrações bordadas” de
móveis, plantas, decoração e tecidos. “Em um momento histórico em que tudo está
disponível imediatamente, basta ficar on-line, as coisas feitas pela mão humana
se tornaram especiais”, diz.
Uma de suas criações, que retratam cenas de interiores e plantas. (Foto: Divulgação)
A canadense Sarah Milligan, do Heart Stitch. (Foto: Divulgação)
Mãe de três crianças, a canadense Sarah Milligan, 36 anos,
começou a bordar em meio a uma fase difícil da vida. “Meu marido perdeu o
emprego várias vezes no mesmo ano e descobri uma doença grave. Procurei uma
atividade para me acalmar”, explica. Com estilo vintage, inspirado em livros
antigos de botânica e ciências, os bordados de Sarah representam temas da
natureza, como plantas, pássaros e insetos. “Fazer algo com as mãos nos permite
a introspecção, conectando corpo e mente”, diz. Para ela, a mágica é pensar que
estamos diante do tempo e do esforço de alguém. “Um dia, meus filhos vão olhar
os trabalhos e dizer ‘Foi minha mãe quem fez’”, conta.
O bordado da canadense, do I Heart Stitch Art (Foto: Divulgação)
A paulistana Claudia Euquime, que é formada em design de moda. (Foto: Divulgação)
Formada em design de moda, a paulistana Claudia Euquime, 25
anos, encontrou no bordado a união de duas paixões: desenho e costura. Começou
a bordar no período em que ficou sem emprego, logo depois de terminar a
faculdade. Aprendeu assistindo a vídeos na internet. Hoje, trabalha em uma
empresa de e-commerce e dedica-se às linhas apenas nas horas vagas, para
produzir as encomendas. “Sou ansiosa, então bordar distrai minha mente. Escuto
música e não vejo a hora passar”, diz Claudia, autora do bordado que está no
título desta reportagem.
O bordado da paulistana, do Crudi Design. (Foto: Divulgação)
Outro bordado da paulistana, do Crudi Design. (Foto: Divulgação)
A sul-africana Danielle Clough ao lado das raquetes e linhas de bordado: explorar novas superfícies é seu talento. (Foto: Divulgação)
Quando criança, a sul-africana Danielle Clough, 27 anos,
aprendeu a costurar e a bordar com a mãe. Já adulta, transitou também pelo
design e pela fotografia. Sua principal característica é explorar diferentes
superfícies, como raquetes, sacas de café e shweshwe, tecido típico da África
do Sul, fazendo bordados que reproduzem fotografias e objetos reais. “Defino
meu trabalho como ‘pontos fortes e impressionistas de celebração da cor’. Na
era virtual, as coisas tangíveis ganham cada vez mais força”, diz. “Nos
empregos que já tive, o retorno de qualquer coisa sempre tinha de ser imediato.
Isso é impossível com o bordado”, afirma.
O bordado de Danielle, que tem como principal característica explorar diferentes superfícies, como raquetes. (Foto: Divulgação)
Bordado da sul-africana, Danielle Clough. (Foto: Divulgação)
A americana Elizabeth Stigels, do Cozy Blue. (Foto: Divulgação)
“Extremamente tímida”, como se define, Elizabeth Stigels, 37
anos, nasceu nos Estados Unidos e vive em Ashville, na Carolina do Norte.
Aprendeu a bordar na escola, nos anos 1990, e retomou o hobby há cinco anos.
Bordar, para ela, é uma forma de expressar o que ama e aquilo em que acredita.
“Não planejei essa atividade, mas sempre fui criativa”, conta. Liz, como os
amigos a chamam, resume sua arte à palavra nostalgia. “A prática meditativa do
bordado é importante não apenas para o alívio do estresse, mas também para a
expressão pessoal. Bordar é focar e ver uma transformação acontecer“, diz.
Bandeirolas com mensagens encorajadoras e detalhes do bordado da estadunidense Elizabeth Stigels. (Foto: Divulgação)
Publicitária turca, Irem Yazici, do Baobap Handmade. (Foto: Divulgação)
Frequentar a faculdade de publicidade estava difícil para a
turca Irem Yazici, que nunca quis trabalhar em escritório. Hoje, aos 26 anos e
vivendo na cidade de Eskisehir, ela conta que começou a bordar nos dias em que
faltava às aulas. No meio de uma crise existencial, entrou em um armarinho,
comprou linhas, bastidor, agulha, pesquisou tutoriais na internet e começou a
bordar em botões, golas e pequenas superfícies. “Minhas criações são
peculiares, meigas e, às vezes, irônicas”, define.
Bordados de Irem, do Baobap Handmade. (Foto: Divulgação)
Reunião
toda semana para bordar, ouvir música e falar da vida. Assim nasceu o Clube do
Bordado, do qual fazem parte as designers Renata Danio, Camila Lopes, Marina
Dini, Vanessa Israrel, Laís Souza e a jornalista Amanda Zacarkim, todas com
idade entre 26 e 29 anos. A despretensiosa ideia de marcar encontros para
bordar virou profissão. Hoje, das seis integrantes, quatro vivem disso. “Damos
cursos on-line, criamos coleções temáticas e fazemos trabalhos sob encomenda”,
conta Renata. “Bordado é uma oportunidade de exercitar a paciência e o convívio
com o erro”, afirma. Entre os temas bordados pelo Clube, destacam-se a
valorização do feminino e a liberdade de gênero
Empoderamento e valorização do feminino estão entre os temas trabalhados pelo Clube do Bordado. (Foto: Divulgação)
DICAS PARA COMEÇAR A BORDAR
* Comece com um projeto pequeno, para terminar logo e se
animar com o próximo.
* Planeje a cartela de cores antes de começar, mas não se
prenda a ela se não estiver ficando bom.
* Tenha bons materiais. Pano bom, agulha boa, linhas de
qualidade. Matéria-prima é tudo, em qualquer trabalho manual.
* Deixe quitutes e água por perto para fazer pequenas pausas
prazerosas.
* Escolha um lugar iluminado e aconchegante. Bordar em
locais escuros prejudica a visão.
* Idealize o que você vai fazer, onde e em que ordem. Mas
saiba abandonar o que planejou e deu errado.
* Bordar com companhia é muito mais gostoso! Chame amigos
para bordar e conversar.
* Guarde seu material com carinho, crie sua própria
organização. Cada pessoa tem seu jeito. O importante é saber onde estão suas
coisas quando precisar delas.
* Monte um kit de bordado prático para levar na bolsa,
versão mini que caiba em uma nécessaire, para bordar naquelas horas perdidas do
dia, no avião ou na sala de espera do médico.
* Tenha sempre uma almofada de agulhas e alfinetes, para não
correr o risco de espetá-los no sofá ou na cama e acabar se machucando.
* A preguiça é inimiga do bordado: se não ficou bom,
desmanche e recomece.
* Guarde os bordados que você começou e não terminou. Às
vezes, depois de um tempo, você pode retomá-los com outro olhar.
* Por outro lado, não torne o abandono um hábito. É
importante terminar. Não há nada mais gostoso que um bordado acabado.
* Faça um caderno de referências, com fotos, recortes de
revista, embalagens, frases e tudo o que você gosta. Qualquer desenho pode
virar bordado.
* Crie uma pasta no Pinterest e siga bordadeiras bacanas, a
começar pelas que citamos na reportagem.
Fonte:
http://revistacasaejardim.globo.com/Casa-e-Jardim/Dicas/noticia/2016/09/paixao-pelo-bordado-cresce-pelo-mundo-e-dicas-para-comecar-bordar.html
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